05 julho 2008

Carta ao Vicente

Olá Vicente,

Mesmo longe, penso em você.

Inclusive, ontem, durante minha caminhada matinal. Estava no parque de Bechwood, no lado leste de Ottawa, perto do cemitério onde estão enterrados os grandes homens da pátria canadense, quand ouvi os tiros de fuzil. Eram as “honras” militares aos quatro soldados mortos no Afeganistão nos últimos dias.

Meu primeiro pensamento foi em relação à dor das famílias desses bravos homens, que, poucos dias atrás, tinham recebido a visita de um militar de patente superior para informar o falecimento, friamente, trazendo a bandeira nacional e algum pertence militar. Ouvi um apito de trem. E lá vinha o trem, passando ao pôr-do-sol, em frente a sua casa, bem devagar. Lembre-me, então, daquele dia triste.

Sabe, aquele deveria ter sido o meu primeiro velório. Um dia de sol bonito, cedo da manhã, eu o vi, de longe, deitado naquele caixão imenso de madeira esculpida, quieto e calado, em meio aos cravos brancos. Eu sequer me aproximei. Queria guardar a imagem alegre de quando ainda vivia entre nós.

Fazia calor, e sentei-me em um dos bancos da entrada da central de velórios. Dividi o espaço com um casal que chorava, a moça entre os braços do rapaz que tinha os olhos marejados. De lá, do meu canto protegido, percebia quase todos que me rodeavam, que não se entreolhavam, apenas permaneciam de cabeça baixa, mão nos olhos.

A sala parecia mínima, à medida que as pessoas entravam, e o número de visitantes me espantava. Homens que fumavam seus cigarros discutiam política e o futuro do país, e as mulheres se consolavam. Foi difícil permanecer ali, inerte, e não me incomodar com a dor coletiva.

Por fim, decidi a vê-lo, vencer os passos, enfrentar a dor, e acho que foi a melhor decisão. Será uma imagem inesquecível. Seus olhos verdes fixados em mim, sua mão calejada do trabalho de uma vida, passava por sobre minha cabeça. Ouvi, mais uma vez, a história de Dom Ratim. Sorri. Foi assim que te disse adeus, vovô.

Com muito amor,
Sua neta Andrea.

1 comentário:

Elsa Silva Sousa disse...

Olá Andrea, todos nós passamos por esta terrivel experiência que é a morte....lendo seu texto relembrei cada momento de algumas despedidas dolorosas...é importante reviver estes momentos...Obrigado, porque o seu texto fez parte desta minha viajem hoje...Um beijo no Coração Elsa Silva Sousa
Obs: cheguei aqui pelo fly...